Espírito(s) elevado(s)
Dissertações Espíritas
A VIDA ESPIRITUAL

(Grupo Lampérière, 9 de janeiro de 1867 – Médium: Sr. Delanne)

Estou aqui, feliz por vir saudar-vos, encorajar-vos e vos dizer:

Irmãos, Deus vos cumula de benefícios, permitindovos nestes tempos de incredulidade que respireis a plenos pulmões o ar da vida espiritual, que sopra com vigor através das massas compactas.

Crede em vosso antigo associado, crede em vosso amigo íntimo, vosso irmão pelo coração, pelo pensamento e pela fé; crede nas verdades ensinadas: elas são tão seguras quanto lógicas; crede em mim que, há alguns dias, me contentava, como vós, em crer e esperar, ao passo que hoje a doce ficção é para mim uma imensa e profunda verdade. Toco, vejo, existo, possuo; portanto, esta vida é real; analiso minhas impressões de hoje e as comparo com as ainda recentes, da véspera.

Não só me é permitido comparar, sintetizar, avaliar minhas ações, meus pensamentos, minhas reflexões, julgá-las pelo critério do bom-senso, mas as vejo, as sinto, sou testemunha ocular, sou a coisa realizada. Não são mais consoladoras hipóteses, sonhos dourados, esperanças; é mais que uma certeza moral: é o fato real, palpável, o fato material que se toca, que vos toma sob sua forma tangível, e que nos diz: isto é.

Aqui tudo respira calma, sabedoria, felicidade; tudo é harmonia, tudo diz: eis o sumo do senso íntimo; não mais quimeras, falsas alegrias, temores pueris, falsa vergonha, dúvidas, angústias, perjúrios, nada desse cortejo vil de fabulosas dores, de erros grosseiros, como se vê diariamente na Terra.

Aqui se é penetrado de uma quietude inefável; admirase,ora-se, adora-se, rendem-se ações de graça ao sublime autor de tantos benefícios; estuda-se e se entrevêem todas as potências infinitas; vê-se o movimento das leis que regem a Natureza. Cada obra tem uma finalidade, que conduz ao amor, diapasão da harmonia geral. Vê-se o progresso progredir a todas as transformações físicas e morais, porque o progresso é infinito como Deus, que o criou. Tudo é compreensível; nada de abstrações: toca-se com o dedo e a razão o porquê das coisas humanas. As legiões espirituais adiantadas só têm um objetivo, o de se tornarem úteis a seus irmãos atrasados, para os elevar para elas.

Trabalhai, pois, sem cessar, conforme vossas forças,meus bons irmãos, para vos melhorardes e serdes úteis aos vossos semelhantes; não só fareis dar um passo a doutrina que é vossa alegria, mas tereis contribuído poderosamente ao progresso do vosso planeta; a exemplo do grande legislador cristão, sereis homens, homens de amor, e concorrereis para implantar o reino de Deus sobre a Terra.

Aquele que é ainda e mais que nunca vosso condiscípulo.

Leclerc

Observação – Tal é, com efeito, o caráter da vida espiritual; mas seria um erro crer que basta ser Espírito para a encarar deste ponto de vista. Dá-se com o mundo espiritual o que sucede com o mundo corporal: para apreciar as coisas de uma ordem elevada, é necessário um desenvolvimento intelectual e moral que não é peculiar senão aos Espíritos adiantados; os Espíritos atrasados são estranhos ao que se passa nas altas esferas espirituais, como o eram na Terra naquilo que constitui a admiração dos homens esclarecidos, porque não o podem compreender. Como seu pensamento circunscrito num horizonte limitado não pode abarcar o infinito, não podem ter os prazeres que resultam do alargamento da esfera de atividade espiritual. A soma de felicidade, no mundo dos Espíritos, aí está, pois, pela força das coisas, em razão do desenvolvimento do senso moral, de onde resulta que,trabalhando na Terra por nosso melhoramento e nossa instrução, aumentamos as fontes de felicidade para a vida futura. Para o materialista, o trabalho só tem um resultado limitado à vida presente, que pode acabar de um instante para outro; o espírita, ao contrário, sabe que nada do que adquire, mesmo à última hora, é uma pura perda, e que todo progresso realizado lhe será proveitoso.

As profundas considerações de nosso antigo colega, Sr.Leclerc, sobre a vida espiritual, são, pois, uma prova de seu adiantamento na hierarquia dos Espíritos, pelo que o felicitamos.

PROVAS TERRESTRES DOS HOMENS EM MISSÃO

(Douay, 8 de março de 1867 – Médium: Sra. M...)

...É preciso, meus filhos, que o sangue depure a Terra; terrível luta, ainda mais horrível pelo esplendor da civilização em cujo meio ela rebenta. Que, Senhor! quando tudo se prepara para apertar os laços dos povos de um extremo a outro do mundo! quando na aurora da fraternidade material se vêem as linhas de demarcação de raças, costumes e linguagem tenderem para a unidade, chega a guerra com seu cortejo de ruínas, de incêndios, de profundas divisões, de ódios religiosos. Sim, tudo isto porque nada em nosso progresso foi segundo o Espírito de Deus; porque vossos laços não foram apertados nem pela bondade, nem pela lealdade, mas apenas pelo interesse; porque não é a verdadeira caridade que impõe silêncio aos ódios religiosos, mas a indiferença; porque as barreiras não foram diminuídas em vossas fronteiras pelo amor de todos, mas pelos cálculos mercantis; enfim, porque as vistas são humanas e instintivas, e não espirituais e caridosas; porque os governantes só buscam os seus proveitos, e cada um, entre os povos, faz outro tanto.

Sublime desinteresse de Jesus e de seus apóstolos, onde estás? – Ficais tristes, meus filhos, quando algumas vezes pensais na rude missão desses Espíritos sublimes, que vêm levantar a coragem da Humanidade e morrer na tarefa, depois de ter esvaziado o cálice amargo das ingratidões humanas. Gemeis por ver que o Senhor,que os enviou, parece abandoná-los no momento em que sua proteção parece mais necessária. Não vos falaram das provas que sofrem os Espíritos elevados no momento de transpor um degrau mais alto na iniciativa espiritual? Não vos disseram que cada grau da hierarquia celeste se compra pelo mérito, pelo devotamento, como entre vós, no exército, pelo sangue derramado e pelos serviços prestados? Pois bem! é o caso em que se encontram os Messias nesta terra de dores; são sustentados enquanto dura sua obra humanitária, enquanto trabalham pelo homem e para Deus, mas, quando só eles estão em jogo, quando sua prova se torna individual, o socorro visível se afasta, a luta se mostra áspera e rude quando o homem deve sofrê-la.

Eis a explicação desse aparente abandono, que vos aflige na vida dos missionários de todos os graus de vossa Humanidade. Não penseis que Deus abandone jamais a sua criatura por capricho ou impotência; não, mas no interesse de seu adiantamento ele a deixa às suas próprias forças, ao completo emprego de seu livre-arbítrio.

Cura d’Ars

O GÊNIO

(Douai, 13 de março de 1867 – Médium: Sra. M...)

P. – O gênio é conferido a cada Espírito conforme a sua conquista, ou segundo uma lei divina, em relação com as necessidades de um povo ou da Humanidade?
Resp. – O gênio, caros filhos, é a irradiação das conquistas anteriores. Essa irradiação é o estado do Espírito no desprendimento ou nas encarnações superiores: há, pois, duas distinções a fazer. O gênio mais comum entre vós é simplesmente o estado de um Espírito, do qual uma ou duas faculdades ficaram desvendadas e em estado de agir livremente; recebeu um corpo que permite sua expansão na plenitude adquirida. A outra espécie de gênio é o Espírito que vem dos mundos felizes e adiantados, onde a aquisição é universal sobre todos os pontos; onde todas as faculdades da alma chegaram a um grau eminente, desconhecido na Terra. Estas espécies de gênio se distinguem dos primeiros por uma aptidão excepcional para todos os talentos, para todos os estudos. Concebem todas as coisas por uma intuição segura, e que confunde a ciência ensinada pelos mais sábios. Distinguem-se em bondade, em grandeza de alma, em verdadeira nobreza, em obras excelentes. São faróis, iniciadores, exemplos. São homens de outras terras,vindos para fazer resplandecer a luz do alto num mundo obscuro, assim como se enviam entre os bárbaros, para os instruir, alguns sábios de uma capital civilizada. Tais foram entre vós os homens que, em diversas épocas, fizeram avançar a Humanidade, os sábios que alargaram os limites dos conhecimentos e dissiparam as trevas da ignorância. Vieram e pressentiram o destino terrestre, por mais longe que estivessem da realização deste destino. Todos lançaram os fundamentos de alguma ciência, ou foram o seu ponto culminante.

O gênio não é, pois, gratuito e não está subordinado a uma lei; sai do próprio homem e de seus antecedentes. Refleti que os antecedentes são todo o homem. O criminoso o é por seus antecedentes; o homem de mérito, o homem de gênio é superior pela mesma causa. Nem tudo é velado na encarnação a ponto de nada transparecer de nosso ser anterior. A inteligência e a bondade são luzes muito vivas, focos muito ardentes para que a vida terrena os reduza à obscuridade.

As provas a sofrer bem podem velar, atenuar algumas de nossas faculdades, adormecê-las, mas se tiverem chegado a um alto grau, o Espírito não pode perder inteiramente a sua posse e exercício; tem em si a segurança de que os mantém sempre à sua disposição; muitas vezes mesmo não pode consentir em delas se privar. Eis o que causa as vidas tão dolorosas de certos homens adiantados, que preferiam sofrer por suas altas faculdades a deixar que estas se apagassem por algum tempo.

Sim, todos nós somos pela esperança, e alguns pela lembrança, cidadãos dessas altas esferas celestes, onde o pensamento irradia puro e poderoso. Sim, todos seremos Platões,Aristóteles, Erasmos; nosso Espírito não verá mais empalidecer suas aquisições sob o peso da vida do corpo, ou extinguir-se sob o peso da velhice e das enfermidades.

Amigos, eis verdadeiramente a mais sublime esperança. Que são junto de tudo isto as dignidades e os tesouros que se punham aos pés destes homens! Os soberanos mendigavam suas obras, disputavam a sua presença. – Credes que essas vãs honrarias os lisonjeavam? Não; a lembrança de sua gloriosa pátria era muito viva. Eles voltaram felizes sobre o raio de sua glória, aos mundos que seus Espíritos desejavam incessantemente.

Terra! Terra! região fria, obscura, agitada; terra cega,ingrata e rebelde! não lhes podias fazer esquecer a pátria celeste onde viveram, onde voltariam a viver.

Adeus, amigos! ficai certos de que todo homem de bem se tornará cidadão desses mundos felizes, dessas Jerusaléns esplêndidas, onde o Espírito vive livre num corpo etéreo,possuindo sem nuvens e sem véus todas as suas conquistas. Então, conhecereis tudo quanto aspirais conhecer, compreendereis tudoquanto procurais compreender, mesmo o meu nome, caro médium, que não te quero dizer.

Um Espírito

Allan Kardec
R.E. , maio de 1867, p. 220